sexta-feira, 9 de julho de 2010

sábado, 3 de janeiro de 2009

DRAUZIO VARELLA

Genética e comportamento social

Com a neurogenética, sabemos que os genes interagem com o ambiente de maneira complexa


A CADA ano fico mais parecido com meu pai. A forma de ajeitar os óculos, as manias e os trejeitos com os quais eu implicava, o mesmo gosto de ver a família reunida à mesa, que me tolhia a liberdade dominical na adolescência. Tudo igual; como se fosse destino. Desde que aprendi a escrever, todos diziam que nossas letras eram semelhantes, observação que me enchia de orgulho, porque eu achava a dele o máximo: inclinada para a direita, cada palavra escrita num único movimento, todas as letras do mesmo tamanho, traçadas com mão firme.

Sempre interpretei a semelhança, como simples imitação do menino alfabetizado em contato com o pai que ele admirava. Anos atrás, no entanto, quando vi pela primeira vez a assinatura do pai dele, meu avô, tomei um choque: a letra era quase igual à minha; as maiúsculas desenhadas com as mesmas curvas.

Você dirá que meu pai foi influenciado pela caligrafia de meu avô, que assim passou para o neto as mesmas características.

Só que meu avô veio da Espanha para o Brasil com 12 anos, sozinho e analfabeto. Nunca foi à escola, aprendeu a escrever por conta própria, e morreu quando meu pai tinha cinco anos. Se não teve oportunidade de influenciar o filho, que dirá o neto.

Chegamos ao ponto, leitor: o velho debate entre os genes e a experiência vivida.

Durante anos, os estudiosos se colocaram em posições antagônicas. De um lado, os defensores do determinismo genético, segundo os quais os genes limitariam nosso comportamento aos desígnios ditados por eles. De outro, os que consideravam o comportamento humano moldado pela somatória das experiências individuais.

A partir dos anos 1990, com a explosão da neurogenética, aprendemos que as influências genéticas existem, são fundamentais, mas que os genes interagem com o ambiente de forma muito mais complexa, mutável e imprevisível do que poderia sonhar nossa vã filosofia de tempos atrás.

Diversas décadas de estudos com irmãos gêmeos idênticos, famílias e crianças adotadas, demonstraram que cerca de metade de nossas características comportamentais encontram-se sob influência direta da genética. No entanto, procurar um gene responsável pela personalidade extrovertida, pela fluência verbal ou pela facilidade para aprender música é tarefa inglória.

Os genes que influenciam o comportamento não agem de forma isolada, como os que codificam a proteína responsável pela cor dos olhos azuis. Eles interagem com uma constelação de outros, localizados nas proximidades ou em áreas distantes dos cromossomos.

Para complicar ainda mais, o impacto do ambiente interfere com a expressão gênica de forma tão decisiva, que um mesmo acontecimento vivido por dois gêmeos idênticos poderá ativar a expressão de determinados genes num deles e silenciá-la no outro.

A convivência social é capaz de induzir alterações gênicas de longa duração, fenômeno descrito em ratos, em 2003.

Ratas que lambem, acariciam e amamentam a ninhada tem filhos que respondem com menos ansiedade ao estresse e repetem com suas crias cuidados semelhantes aos recebidos. Ao contrário, os que foram abandonados por suas mães reagem com mais intensidade ao estresse e cuidam menos dos filhos.

Estudos neurogenéticos realizados com os dois grupos de ratos (malcuidados versus bem-cuidados) mostram que a atenção materna induz alterações moleculares nos genes dos filhotes que codificam receptores cerebrais para glucocorticóides (hormônios envolvidos na resposta ao estresse) e estrógeno (hormônio sexual).

Começam a ser descritas as primeiras modificações duradouras na estrutura molecular dos genes, causadas por influências sociais e estímulos do ambiente. Os efeitos da mesma informação social sobre as funções cerebrais que sofrem influência dos genes envolvidos no comportamento diferem de um indivíduo para outro, como as impressões digitais.

O conhecimento das bases moleculares do comportamento social permitirá entender melhor distúrbios como depressão, autismo, esquizofrenia e muitos outros.

A antiga dicotomia entre os genes e o ambiente é coisa do passado. É tão absurda como ouvir a música e discutir se vem do piano ou do pianista.

As moléculas que constituem nosso DNA não traçam nosso destino, mas sob a influência dos estímulos ambientais sofrem arranjos e rearranjos que explicam a incrível

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Larvas de borboletas revelam 'queda de braço' da evolução das espécies


Para evitar a predação das larvas, plantas desenvolveram toxinas.
Rapidamente, animais apresentaram mecanismos para combater o envenenamento.
Do G1, em São Paulo entre em contato
ALTERA O
TAMANHO DA LETRA

Cientistas descobriram dois mecanismos nas larvas da família de borboletas Pieridae que digerem e impedem a ação de toxinas produzidas por plantas para combatê-las. A descoberta mostra que a duas espécies, inseto e planta, evoluíram juntas, o que pode explicar a imensa variedade de borboletas existente.

Foto: Christopher W. Wheat

Borboleta 'golpista' engana formiga para que ela adote seus filhos

Iludida, formiga acha que larva que carrega é de sua ninhada.
Quando descobre a trapaça, começa uma 'guerra evolutiva'.
Do G1, em São Paulo

Beleza não serve de nada sem uma boa dose de esperteza. Que o digam as borboletas européias Maculinea alcon, que desenvolveram um truque para lá de sujo para garantir alimento abundante para seus filhotes. Elas enganam as formigas, que passam a acreditar que as larvas de borboletas são suas e as criam como mães dedicadas. Quando percebem a enganação, as formigas iniciam uma verdadeira guerra pela sobrevivência.

Foto: Science/David Nash
Enganada, a formiga nem percebe que a larva da borboleta é bem maior que a sua (Foto: Science/David Nash)

Tudo começa com a química. As borboletas desenvolveram uma camada protetora que é muito parecida com a das formigas. Quando vêem uma larva de borboleta em seu caminho, as ingênuas formiguinhas acreditam que se trata de seus filhotes, que por acaso foram parar fora de ninho. Elas pegam a larva e levam para casa, onde criam as futuras borboletas, que, por serem muito maiores que uma larva de formiga, acabam ganhando mais comida que as irmãs de criação.

Foto: Science/David Nash
Science/David Nash
Borboleta da espécie Maculinea alcon (Foto: Science/David Nash)

Mas como mentira tem perna curta, as formigas estão começando a perceber o engodo. Com isso surge o mais interessante para o líder do estudo, David Nash, da Universide de Copenhagen, na Dinamarca: as duas espécies passam a travar uma verdadeira “corrida evolucionária”.

Em seu estudo publicado na revista “Science”, Nash mostra que as borboletas têm mais chances de sucesso quando entram em formigueiros que não eram normalmente parasitados. As formigas que já tinha caído no truque eram mais difíceis de enganar. Em resposta, algumas borboletas parecem estar matando seus pais adotivos e procurando outras espécies para iludir.

sábado, 4 de agosto de 2007

DRAUZIO VARELLA

O sono e os sonhos

Na seleção natural, teriam levado vantagem os que desenvolveram a habilidade de sonhar

SOMOS animais que hibernam à noite. Nessas horas em que os músculos repousam, milhões de neurônios em ação coordenada disparam estímulos elétricos para o córtex, a camada mais superficial do cérebro, responsável pelas características intelectuais que nos distinguem das lagartixas.

Como nós, os demais mamíferos sonham. Prova da origem comum do sonho em espécies tão díspares quanto ratos, golfinhos ou ursos, seres incapazes de dar às sílabas significado semântico, é que o enredo dos sonhos humanos é construído integralmente por imagens. Neles, não se escuta a voz de um narrador.

Econômica como é a seleção natural, a competição jamais privilegiaria uma característica como o sono, que expõe o animal aos predadores, se ela não fosse essencial para a sobrevivência.
A meu ver, nada ilustra a relação dos sonhos com o impulso de permanecer vivo, como os pesadelos, ocasiões em que assistimos às piores tragédias, à morte de pessoas queridas, enfrentamos momentos aterradores, chegamos a gritar e a acordar assustados, mas em hipótese alguma morremos. Ou você, leitor, já sonhou que estava num caixão, à beira da sepultura?

Enquanto dura um sonho, o cérebro é incapaz de distingui-lo da realidade. Por isso, o sistema toma a precaução de desligar o comando da musculatura, assim que o corpo adormece. Em gatos, quando destruímos os neurônios da área cerebral responsável por tal desligamento, os sonhos provocam movimentos convulsos que colocam em risco a integridade física.

Essa incapacidade cerebral de reconhecer a experiência onírica como fantasia intrigou egípcios, gregos, Freud e uma multidão de interpretadores dos sonhos como fenômenos associados à premonição ou aos mistérios do subconsciente.

Na década de 1990, um grupo da Universidade do Arizona instalou eletrodos no cérebro de ratos para monitorar a atividade elétrica ao percorrer um labirinto. No percurso, cada vez que o animal mudava de direção entrava em atividade um grupo de neurônios situados em determinada área do hipocampo, estrutura crucial para o armazenamento de novas memórias. A monitorização foi capaz de demonstrar que a mesma seqüência de neurônios era ativada quando o rato pegava no sono, depois do experimento.

Este ano, a equipe de Jan Born, da Universidade de Lübeck, publicou uma pesquisa conduzida com voluntários colocados diante da tela de um computador que exibia 30 pares de cartas. A posição de cada par era mostrada durante alguns segundos, enquanto as outras cartas permaneciam viradas para baixo. No final, com eletrodos instalados na cabeça, os participantes deviam identificar a localização dos pares.

Na fase de memorização, parte dos voluntários foi borrifada com uma essência de rosas, para verificar se a repetição desse estímulo à noite reativaria as memórias da sessão de treinamento. A análise da atividade elétrica durante o sono mostrou que realmente o perfume ativava os hipocampos daqueles previamente expostos a ele, mas não nos demais. E que, no dia seguinte, ao identificar novamente as cartas, a performance dos que receberam o estímulo foi superior.
Esse é o primeiro estudo a demonstrar que é possível ativar explicitamente a memorização, por meio da aplicação de um estímulo no hipocampo durante o sono.

Mas nem todos os neurocientistas concordam com a afirmação de que a atividade cerebral ao sonhar tenha como objetivo reprisar experiências recentes para memorizá-las. Consideram mais provável que sua finalidade seja aliviar a tensão armazenada nas sinapses, os espaços microscópicos por meio dos quais os estímulos elétricos são conduzidos de um neurônio para outro.

Eles partem do princípio de que o cérebro consome 20% da energia do metabolismo, e que a repetição constante de estímulos durante o período de vigília pode saturar as sinapses e torná-las inaptas para a aquisição de novos conhecimentos. Os sonhos restabeleceriam o equilíbrio do sistema, descarregando o excesso de energia acumulada nas sinapses.

É possível que o sono tenha evoluído para ajudar a economizar energia nos períodos em que se torna menos provável encontrar alimentos do que predadores. Na seleção natural, teriam levado vantagem os animais que desenvolveram a habilidade de sonhar, esteja ela associada ao aprimoramento das memórias ou ao alívio da tensão sobre as sinapses para que elas possam funcionar melhor no dia seguinte.